João
Barcellos
2013
Sorocaba,
Araçoiaba da Serra, Capela do Alto & Iperó no contexto historiográfico do
Morro Araçoiaba
ANOTAÇÕES
HISTORIOGRÁFICAS PARA A COMPREENSÃO POLÍTICA & EDUCACIONAL DE UM
DESENVOLVIMENTO REGIONAL MUITO PECULIAR
*******************************************
O que hoje, no Século XXI,
se entende por áreas administrativas de políticas municipais denominadas
Sorocaba, Araçoiaba da Serra e Iperó, no Estado de São Paulo, teve as suas
origens, primeiro, no estabelecimento do complexo de mineração de Affonso
Sardinha [o Velho], no Século XVI, e, segundo, na fundação da Villa de Nª Sª do
Monte Serrat pelo Governador Francisco de Souza [o Marquês das Minas] nesse
mesmo local conhecido como Cerro Ybiraçoiaba, no início do Século XVII.
Isto quer dizer que a história do Cerro
Ybiraçoiaba é única e intransferível. Ninguém pode se apropriar
politicamente dela, apenas preservar a memória de um Brasil que nela foi
gerado.
Parte
1
Colonialismo,
Ideal Municipalista & Mercantilismo no Piabiyu entre a Monarquia e a
República
As primeiras repúblicas municipalistas da
América são instaladas no Século XVI, em S. Vicente e Santos, e depois São
Paulo dos Campos de Piratininga, sendo a região vicentina a sede administrativa
da Capitania.
O espírito municipalista
desembarcado das caravelas portuguesas logra conquistar as mentes dos colonos
e, logo, da raça brasileira que com eles evolui, de sorte que a Câmara
Municipal passa a ser o eixo das decisões locais para o desenvolvimento regional
das capitanias, e particularmente a de São Paulo dos Campos de Piratininga no
planalto acima da Serra do Mar.
Através de colonos como Affonso Sardinha [o
Velho] que,
ao mesmo tempo, são fazendeiros, mineradores, banqueiros e políticos, o velho
caminho continental guarani conhecido como Piabiyu [ou
Peabiru] serve de ligação entre S. Vicente, São Paulo, Asunción, Potosí e
Buenos Aires, e nele é estabelecida uma economia liberal que alimenta a
Capitania independentemente dos parâmetros político-administrativos da Coroa
portuguesa.
Assim é que o Cerro Ybiraçoiaba abriga a primeira
metalurgia da América e
deste complexo se inicia a indústria brasileira com o próprio governador a
despachar oficialmente daqui.
É a conquista dos sertões a oeste da São Paulo
dos Campos de Piratininga que permite a expansão do espírito municipalista e da
economia liberal que é já a alma de um Brasil que quer ser nação e não colônia.
E, logo, na governança do
capitão-general Luís António Botelho de Sousa e Mourão [o Morgado de Mateus], a
Capitania paulista passa ser, em pleno Século XVIII, o eixo econômico da
América do Sul no reaproveitamento fundiário das sesmarias jesuíticas e daquela
economia
liberal espalhada pelo Piabiyu, principalmente a partir da região de Viamão com
entroncamento em Campinas e
continuidade em Sorocaba, Botucatu, para atingir os cais da Serra do Mar
passando, obviamente, por São Paulo dos Campos de Piratininga. Ou seja.
O velho portinho fluvial de
Carapocuyba, a ligar o rio Anhamby [Tietê] ao rio Jeribatyba [Pinheiros] pelas
terras da Fazenda Ybitátá, do ´velho´ Sardinha,
não tem mais serventia, pois, a infraestrutura logística impulsionada pelo
Morgado de Mateus, seguindo várias orientações do engº militar José Custódio de Sá e
Faria, dá urbanidade definitiva à Capitania paulista, já agora
“o engenho que impulsiona o Brasil”...
Da velha estrutura mineira da Família Sardinha no
Cerro Ybiraçoiaba originam-se num raio de poucas milhas novas
povoações: a primeira é Sorocaba que, com o desenvolvimento
agrário de Campinas vem a se beneficiar com o
algodão e ser o primeiro chão da indústria têxtil, além de ser já o ponto de
comércio e escoamento de muares e alimentos e utensílios do que se conhece como
Ciclo Tropeiro.
Parte
2
Expansão
da Economia e da Indústria
A nova configuração fundiária adotada pelo
Morgado de Mateus, no Século XVIII, dá alma municipalista à urbanização da
Capitania.
Com o fim da monopolização
sesmeira da Companhia de Jesus [padres jesuítas]
surgem novos povoados a partir de fogos com famílias que se aventuram na
agricultura e na mineração, mas também em pequenas unidades mercantis como
vendas, armazéns, além de oficinas de carrocerias e utensílios destinados aos
novos eventos industriais.
Entre a Viamão e o Porto dos Casais abrem-se
possibilidades mercantis que logo chegam a Campinas
e Sorocaba para se expandiram ao
centro-oeste por Botucatu e ao
litoral por São Paulo.
A empreendedora Capitania
paulista espelha um Brasil de autenticidade
econômica pela dinâmica própria do ideal
municipalista.
Parte
3
Estrada
de Ferro
O desenvolvimento
socioeconômico das municipalidades paulistas não avança mais por falta de
recursos técnicos e de intercâmbio científico com outros países.
Entretanto, aquele espírito
municipalista embasado na economia liberal, que já havia dado sinais para a
implosão de um Brasil-nação em plena era colonial, leva a uma ruptura
definitiva com Portugal e a consequente independência política permite que a
colônia vire império com diplomacia própria. É quando o mundo vive a Revolução Industrial a partir de inventos ingleses, franceses,
alemães, etc., que logo começam a interessar empreendedores como o Barão de Mauá [Irineu Evangelista de Souza], mercador e
político que quer um Brasil moderno e a produzir modernidade.
Em meados do Século XIX, o Barão de Mauá instala
a primeira linha férrea no
Rio de Janeiro.
A ferrovia é a ferramenta logística que São
Paulo necessita para expandir a sua economia.
Nasce a Companhia
Sorocabana, e regiões como Sorocaba, Botucatu, São Roque e Mairinque passam a
ser pontos de estratégia logística para ligar os velhos sertões aos portos da
Serra do Mar.
Parte
4
Estrada
de Ferro & Novas Povoações
• A abertura mercadológica
que a instalação da estrada de ferro possibilita tem um engajamento social: a
fixação de populações no entorno das estações e entroncamentos.
• Assim é com Mairinque e é
com Iperó, entre outras localidades, que crescem no rastro do progresso
embarcado nas marias-fumaças que rasgam os velhos
sertões dos bandeirantes e dos tropeiros.
Mas, se Mairinque é o típico
caso da fazenda que vira vila no entorno da estação ferroviária e,
logo, torna-se cidade, já o caso de Boituva, assim como o de Iperó é um
acontecimento com raízes na história dos desdobramentos
político-administrativos criados a partir da Vila de Nª Sª do Monte Serrat
estabelecida no Cerro Ybiraçoiaba naquele
efervescente Século XVI...
Fogos e aldeias surgem nos
sertões sinalizados pelo Cerro Ybiraçoiaba e a serra Ybicatu nas direções de
Araratiguaba e Goyaz, respectivamente, logo que a atividade de mineração de
ferro cessa temporariamente, o que leva os camponeses e os mineradores a
buscarem outros lugares entre as sorocas e as serranias.
É uma mistura de nativos,
portugueses, africanos, espanhóis, alemães, etc., um caldeamento racial que
pulula por todo o oeste paulista; no entanto, é a presença de nativos guaranis
e tupis que ainda marca a região, pois, aqui esses povos reuniram forças para
sobreviverem aos ataques de preadores; povos que os europeus e os já
luso-brasileiros reencontram nos meandros das sorocas e das serranias.
IPERO[ZINHO]
Um desses locais sedia várias fazendas e bebe
muita vida no Rio Iperozinho, que desemboca no Rio Sarapuí.
Ora, assim como os nativos,
os europeus e as suas gerações assentam fogos ou simples acampados nas margens
de cursos fluviais e lagoas, o que facilita a rotina diária de caça, pesca e
higiene.
Uma
Esplanada No Sertão Do Piabiyu
O local está na rota dos
tropeiros, como já esteve na rota dos bandeirantes e, sempre, na dinâmica
socioeconômica do Piabiyu. Os portugueses estão por aqui desde os tempos da
primeira fundição de ferro no Cerro Ybiraçoiaba e, por isso, muitas vezes se
diz que é o rio dos portugueses, ou y-peró,
mas certamente é lugar longe, ou i-peró, porque também aqui
os mineradores vinham buscar madeira para queimar nas forjas, e também porque
famílias de mineradores aqui estavam arranchadas, i.e., longe do arraial mineiro;
entretanto, i-peró também significa casca azeda, das árvores ipê e
peroba.
Que o seja. Pois, a região de lavoura
que o Rio Iperozinho alimenta é tida como esplanada.
Sim, esplanada, porque as gentes vivem num local de onde percebem a dinâmica da natureza e o próprio desenvolvimento humano.
E se as gentes d´Iperozinho sabem do ideal municipalista e dos
desdobramentos gerados até no próprio Cerro Ybiraçoiaba,
com a fundação de Sorocaba em meados do Século XVII e,
no Século XIX, a fundação do Bairro do Campo Largo, que recebe paróquia para
logo passar a Vila de Campo Largo de Sorocaba,
nada mais lógico para essas gentes d´Iperozinho
que
pleitearem condições político-administrativas para tratarem da cidadania em
casa própria.
A
expansão dos caminhos ferro alcança lugares e vilas e cidades que se
organizaram ao som dos cascos de muares e no confronto direto com povos
nativos, e é durante o Século XX que as novas rotas urbanas fixadas pelo
desenvolvimento na Capitania setecentista ganham o progresso e deixam o
isolamento.
Agora, ao ideal municipalista alia-se o
progresso industrial e comercial. Entretanto, havia vida antes da
maria-fumaça...
Aqueles núcleos
habitacionais e agro-pecuários e mineiros, representam povos e ideais, projetos
de vida. Logo,
as vidas de Mairinque, de Botucatu, de Iperó, etc., têm uma história própria
que a maria-fumaça expande.
Meio século antes, em 1872,
foi criada a companhia Estrada de Ferro Sorocabana
que, em 1875, abriu o primeiro trecho e ligou Sorocaba a Mairinque e São Roque,
com estação central na já opulenta Campinas, além das linhas Rio Claro e
Mogi-Mirim; e, em poucos anos, chegou a Boituva e Botucatu.
A expansão da ferrovia corta
velhos pontos da estratégia logística agropecuária e mineira, um deles sinaliza
a
região do Rio Iperozinho como eixo para mais um entroncamento da estrada de
ferro. Em sua esplanada própria, as gentes do Rio Iperozinho percebem que
tudo vai mudar com a maria-fumaça e seu grito metálico libertador, e
em 1927 a fazendeira Rita Motta vende terras suas para a EF Sorocabana, enquanto a região, em 1944 e como distrito
de Boituva, recebe o nome Vila Santo Antônio, mas, na existência de outra vila
com o mesmo nome, as gentes d´Iperozinho renomeiam como Esplanada. Depois de
complicadas discussões políticas, a região recebe a denominação Iperó.
O nome Iperó resgata, de alguma maneira, um ambiente
nativo ao qual gentes de outros nações se integram e criam uma sociedade
própria.
Obviamente, não se poderia
designar aquela região como [a título de exemplo] “Novo Araçoiaba”, pois isso
seria um ultraje à história do Cerro Ybiraçoiaba, apesar da umbilical
proximidade física e social. Por isso é que o nome Iperó surge como acerto de contas
na história da região ybiraçoiaba, um acerto feito por gentes
que souberam respeitar as raízes.
Parte
5
Uma
Questão Política & Econômica
Entretanto, existem
incompetências políticas na administração pública que permitem erros
históricos... Assim acontece com a Vila
do Campo Largo de Sorocaba que, em 1944, é renomeada como Araçoiaba da Serra, a
demonstrar insensatez politico- administrativa no trato da História do Brasil.
Entenda-se
a questão:
A
A paróquia do Campo Largo
que vira vila e depois cidade não está no Cerro Ybiraçoiaba, foi idealizada,
sim, pelo pároco da Real Fábrica de Ferro que precisava sair do local: o padre
Malheiros acerta com o alferes Bernardino Barros “a mudança da paróquia para um lugar
denominado Bairro de Campo Largo”. Ora, mudou-se a paróquia,
não se mudou o Cerro Ybiraçoiaba... Da mesma maneira que,
quando deixou de existir a Vila de Nª Sª do Monte Serrat no arraial mineiro,
fundaram-se outras povoações e a mais importante delas, Sorocaba, não tomou o
nome do complexo social e industrial que lhe deu alma, nem tampouco lhe tomou o
altar...!
Outro exemplo histórico: a mudança da velha Koty
[hoje Cotia] do sertão de Carapicuiba para o sertão de Itapecerica, em
1703, levou a capela de Nª Sª do Monte Serrat junto, porque não se muda um núcleo
geossocial e cultural apenas com uma parte.
Outro exemplo, este, local: na criação da
municipalidade de Capela do Alto, em torno de interesses de
famílias germânicas ligada ao arraial mineiro do Ybiraçoiaba, poderiam essas
famílias reivindicar o nome do morro, mas não o fizeram para preservar a
história local diretamente ligada à do Brasil.
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Arquivos\ARQVS JB\COTIA hist\COTIA táb. historiogr JB\Pça Matriz Cotia Anos 40
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O que
acontece na Real Fábrica de Ferro, no Século XIX...
Um alvará de João VI cria, em 19 de Agosto de 1817, a Paróquia de São João
Batista do Ipanema; ação régia que tem a oposição do notável
Luiz Guilherme de Varnhagem, mas, em 1820 a Coroa manda que se mantenha o já
determinado; e, em 20 de Fevereiro de 1821, o padre Gaspar Malheiros
é empossado como vigário da Paróquia de São João Batista,
embora já enfrente contestação sobre o estabelecimento de uma paróquia em pleno
chão de mineração. Até que, em 1823 [a 3 de Maio], o bispo Matheus Pereira concede
licença para se tirar a paróquia da região histórica. No
mesmo ano de 1823, é o padre Gaspar que, com
cerca de uma centena de moradores e Rufino Costa, este, administrador da
fábrica e capitão-engº, vai aos campos de Tathuy para escolher um lugar e
situar a nova matriz; entretanto, o grupo não se acerta e a
maioria retorna à fábrica, mas os descontentes fundam em Tathuy a Capela de São João do
[por aqui] Bem-Fica. O padre Gaspar não desiste.
Em acordo com o alferes
Bernardino Barros, o padre Gaspar sugere a transferência da paróquia da fábrica
para o Campo Largo, bairro onde o mesmo alferes já havia iniciado a edificação
de uma Capela dedicada a Nª Sª das Dores e, por isso, solicita que a
santa da sua devoção seja a padroeira da nova paróquia, o que o padre aceita,
até para acabar de uma vez com as confusões na fábrica. Assim é que o alferes
finaliza a construção da matriz e, em 10 de Outubro de 1826 é transferida a paróquia da Real
Fábrica de Ipanema para o bairro de Campo Largo.
Anote-se que a Paróquia de Campo
Largo recebe
matriz e recebe nova padroeira [Nª Sª das Dores], não recebe moradores nem o
padroeiro da capela da Real Fábrica de Ferro [São João Batista].
Tudo é feito à luz do
conceito da colonização ibero-católica, i.e., uma nova povoação começa com
edificação de uma capela.
Então, no Século XIX surge a
paróquia de Campo Largo que, em 14 de Novembro de 1857, passa a vila com
vereança própria e é já uma unidade municipal fora do âmbito geo-histórico
do Cerro Ybiraçoiaba e da Real Fábrica de Ferro.
As divisões territoriais estão
determinadas pela história local ratificadas pela vereança sorocabana no
contexto da Freguesia de Campo Largo.
Quando, em 19 de Dezembro de
1906 a freguesia passa cidade e recebe o nome Araçoiaba da Serra [D-L nº14.334, de 30.11.1944], o Estado de
São Paulo e o Brasil sabem que é uma municipalidade com 315 Km2, entre os rios
Sorocaba e Sarapuí, e não uma municipalidade criada no arraial mineiro do Cerro
Ybiraçoiaba, como acontecera com a Vila de Nª Sª do Monte
Serrat.
Isto significa que a história de Campo
Largo começa e termina em si mesma, apesar
do nome Araçoiaba [da Serra].
Além de Sorocaba e de Iperó,
e em parte Boituva, eis que é das gentes do arraial mineiro da Vila de Nª Sª do
Monte Serrat que se forma, também, Tathuy. E isto, sem que ninguém reivindique
o nome Ybiraçoiaba para si...
O respeito à raiz sociocultural mostra o
zelo pelo ideal municipalista.
Já com núcleo habitacional
formado, quando o alferes Barros oferece a sua capela e a sua santa de devoção
para constituir paróquia, Campo Largo é um território definido para seguir uma
história própria, e só.
B
Quando não se tem lastro
sociocultural o melhor é batalhar para criar condições de políticas públicas
pelas quais é possível construir uma casa própria,
como fizeram as gentes do Rio Iperozinho, já agora, gentes d´Iperó.
C
Ao se reportarem a um decreto-lei para
denominarem a Vila de Campo Largo como Araçoiaba da Serra, as autoridades do
Estado de São Paulo abriram espaço político e administrativo para futuras rixas
regionais.
Não observaram o ideal
municipalista que fez o Brasil: a terra é de quem a ocupa. Não
existiu o bom senso de buscar na História designações culturalmente
sustentáveis para inibir problemas políticos o que – para gentes sempre
dispostas a serem mais do que outras – acaba por criar um álibi para atuarem,
ou tentarem legalmente reivindicar alguma ancestralidade.
A falha político-administrativa das
autoridades estaduais foi tão grave que nem levou em conta outro erro: a vila já havia sido
denominada de Campo Largo de Sorocaba. Ora, Sorocaba significa exatamente campo
largo, ou campo rasgado... Por outro lado denominar Araçoiaba como “da Serra” é
um abuso geográfico. Até os mais antigos sabiam que a região era
um mar de morros, ou cerros [montes], e não uma serrania...!
Por isso a história registrou
a existência do Cerro Ybiraçoiaba e não de uma serra. Tal
sequência de erros acaba por criar tensões e, às vezes, rupturas sociais a
partir do âmbito político-administrativo, pois, sempre aparecem gentes a
reivindicarem o que não lhes pertence, principalmente quando no alheio está uma
riqueza de recursos minerais e uma história industrial que é eixo de uma nação!
Parte
6
Para
Rematar Esta Anotação Historiográfica
Nas minhas pesquisas sobre a raiz piabyiuana do
desenvolvimento paulista e brasileiro sempre anoto um denominador
comum – a saber:
As
municipalidades que surgem da efervescência bandeirística e tropeira, e
principalmente da ruptura fundiária para o acerto urbanístico na época do
Morgado de Mateus, resgatam o ideal municipalista das primeiras vereanças, e
nisto conquistam liberdade política para as ações públicas que possibilitam o
progresso geral.
Entretanto, se o ideal municipalista,
moderador e ao mesmo tempo libertador pela democracia representativa que
impulsiona social e politicamente, torna-se a bandeira de um Brasil que emerge
em plena Monarquia, primeiro lusa e depois plenamente bragantina
– ora, tratou-se de salvar a Coroa de linhagem bragantina e não de
constituir uma Nação livre...
– já na República, ainda pançudamente monarquista pelo efeito
coronelístico e quixotesco do senhores d´engenho e minas e escravos, vem a
ocorrer com mil e um plebiscitos a formação de novas unidades municipais em
todos os estados federados, municipalidades sem quaisquer viabilidades
socioeconômicas de sobrevivência... a não ser pelos subsídios estaduais e
federais.
De sorte, quando as gentes
d´Esplanada buscam [não assentar, mas] oficializar a sua raiz comunitária e
tornam-se gentes d´Iperó, já representam uma região com autonomia
socioeconômica pela
via agropecuária e de serviços, autonomia que se amplia quando se transforma,
também, em entroncamento ferroviário da malha paulista, além de que tem no seu
território a base histórica da indústria americana: o Cerro Ybiraçoiaba e a
Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema.
É o inverso da freguesia de Campo Largo, que vira cidade
indo puxar o nome ao Cerro Ybiraçoiaba para possuir algo de atração política – um engodo que os
legisladores paulistas tomam como ´doce´ e se esquecem de questionar sobre as
potencialidades socioeconômicas da unidade municipal a que dão origem!
É uma mera paróquia rural
que, súbito, surge no mapa como município...
O professor e procurador
Flávio Roberto Ferreira de Lima, em breve anotação à questão Plebiscito, e a
recorrer a uma análise sobre texto do doutrinador Palhares Moreira Reis,
lembra-nos que:
“[...]
o plebiscito feito para a emancipação de Municípios tem sido verdadeira prova
da nossa incapacidade de tratar desse assunto relevante.
Com
a liberdade dada às Leis Estaduais criaram-se um sem-número de Municípios, até
à edição da Emenda Constitucional nº 15/96, sem qualquer condição material de
emancipação, na mais das vezes, cedendo-se a mesquinhos interesses políticos em
detrimento dos próprios Munícipes”.
As cidades que assim tiveram
o seu assentamento político-administrativo foram apenas e mais um risco [troféu] na
coronha do revólver dos coronéis respectivos, mas a cidadania –
que é o que vale – ficou perdida lá na autenticidade da Comunidade de raiz
reunida em torno da paróquia. A maioria dessas municipalidades criadas a gosto
político-eleitoreiro entre os Séculos XIX e XX estão em petição de miséria, e,
em alguns casos, o melhor é fechar a porteira...!
Tal incompetência administrativa por
parte das casas legislativas logrou unicamente enriquecer ainda mais uma ou outra
família, mas espezinhou a cidadania que é a alma do ideal municipalista.
O
Decreto-Lei Estadual
O decreto-lei
nº 8.092, de 28.2.1964, do Legislativo estadual paulista, ao dar título de municipalidade à região ora
dita Iperó, com os distritos de Iperó e Bacaetava, desmembrados de Boituva e
Araçoiaba da Serra, diz no seu Artº13 que... “Cabe ao Instituto
Geográfico e Geológico da Secretaria da Agricultura: a) organizar mapas dos
novos municípios, bem como os daqueles que sofreram alteração em seus
territórios; b) proceder à demarcação das divisas fixadas nesta lei, sempre que
necessário”.
Clara e inequívoca, a Lei estadual trata de Iperó como
trata de outras dezenas de novas municipalidades, ou dá título às que já eram
vilas, pelo que o regime de divisão territorial observa o traço dos fios
d´água – Rio Iperozinho e Sarapuí – como o traço convencionado para uma
demarcação que é fundiária e é social. E, neste aspecto, tudo
certo. O problema foi o mesmo Legislativo ter permitido, anteriormente, a
aplicação do termo Araçoiaba [termo modernizado de Ybiraçoiaba] a uma
municipalidade nascida no Campo Largo e não no seio do Cerro Ybiraçoiaba.
Cabe
aqui lembrar a anotação historiográfica de Azevedo Marques, no Seu
“Apontamentos...” [pp. 160-161]:
“CAMPO-LARGO
(de Sorocaba) – Povoação fundada entre dois braços do
ribeirão Guacuriú, que deságua a meia légua distante da fábrica de ferro do
Ipanema, em território outrora pertencente a este último município, sob a
invocação de – Senhora das Dôres [...]. Sôbre as divisas civis vejam-se as leis
de 10 de abril de 1865 e 16 de março de 1866, e 3 e 20 de abril de 1873. Além
da matriz possui nos arrabaldes as capelas de Santa Cruz, a de São Francisco e
a da Senhora da Aparecida. Não tem casa de câmara nem cadeia para as quais
servem casas particulares alugadas. A produção deste município em maior escala
é o algodão, porém cultiva também café e cereais. A população é de 5.144 almas,
sendo 469 escravos; eleitores em 1876, 12; fogos 14; somente os que pagam o
imposto pessoal. Tem duas cadeiras de instrução pública primária para ambos os
sexos”.
A
criação da nova freguesia/paróquia fora da Real Fábrica de Ferro tem
uma explicação e é o mesmo Autor quem a especifica:
“[...] não sendo permitido aos moradores
nem o corte de madeira nem a edificação de casas no terreno da mesma fábrica,
pediram ao bispo D. Mateus de Abreu Pereira a mudança da sede da paróquia para
outro local”.
Ao mudarem a paróquia da
Real Fábrica de Ferro as gentes fazem, então, de Campo Largo a sua nova casa espiritual e
se isolam da raiz geossocial do Cerro Ybiraçoiaba.
De qualquer maneira, a fronteira territorial
que assinala a Municipalidade de Iperó foi elaborada por peritos e não por
políticos e párocos, e assim é que Iperó possui entre o centro urbano e a vastidão rural o
manancial histórico da indústria americana e brasileira, e as pessoas que
sinalizaram a demarcação geral da municipalidade, tanto as de entre o Rio
Ipoerozinho e Bacateva quanto as de Campo Largo conheciam muito bem a temática
histórica e geológica que as segundas deixavam para as primeiras, logo, o
decreto-lei que dá título de municipalidade a Iperó diz tudo e, agora, nada se
pode acrescentar ou subtrair.
Quem o quiser fazer deve,
antes, tomar conhecimento geossocial e historiográfico de tudo que está em
jogo. Entre os estudos sobre as ações socioeconômicas e geopolíticas de Affonso Sardinha [o Velho] e de Pompeo de Almeida e, antes deles, do
Bacharel de Cananeia e de Brás Cubas, aprendi que por cada nova
vila ou cidade erguida nos sertões afundava-se o espírito monopolizador dos
jesuítas e suas sesmarias; e, ao mesmo tempo, emergia aí a ideia de um Brasil como casa
própria das gentes luso-afro-americanas, ou, já então, o Povo Brasileiro.
Quando pesquisei as periferias históricas do
Cerro Ybiraçoiaba encontrei Iperó e Araçoiaba da Serra: nesta, um vazio
sociocultural, e naquela, a ousadia de estar em ambiente próprio recriando a
liberdade de ser urbanidade nas circunstâncias políticas geradas ali mesmo –,
assim como nome Iperó brotou para assinalar o espaço-tempo de uma gente
que soube, e sabe, guardar a memória do Cerro Ybiraçoiaba.
Eis por que estas anotações
historiográficas não são uma lição, mas um alerta sociocultural para prevenir
atentados ideológicos e econômicos contra
o fabuloso
Cerro Ybiraçoiaba que gerou o Brasil industrial.
Instituições
& Bibliografia
BN / Biblioteca Nacional
[Rio de Janeiro / Brasil]; ANTT / Arquivo Nacional da Torre do Tombo
[Lisboa/Portugal]; IHGSP / Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo;
Câmaras Municipais de São Paulo, Sorocaba, Iperó e Araçoiaba da Serra; Arquivo
do Estado de São Paulo; Cúria Metropolitana da Igreja Católica [São Paulo /
Br.]; Estrada de Ferro Sorocabana; Acervos de Hugo Augusto Rodrigues, Adolfo
Frioli, Desbravadores Villas-Boas, Centro de Memória da Fazenda Nacional de
Ipanema e João Barcellos. AB’SÁBER, Aziz – A DEPRESSÃO PERIFÉRICA PAULISTA: UM
SETOR DAS ÁREAS DE CIRCUNDESNUDAÇÃO PÓS-CRETÁCEA NA BACIA DO PARANÁ. IGEO-USP.
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& EDUSP, São Paulo / Br., 1981. BACELLAR, Carlos de Almeida Prado – VIVER E
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– O BRASIL DOS TROPEIROS & ESTRADAS REAIS
[Das palestras para grupos de estudos e professorado, em Cotia, Araçariguama,
Porto Feliz, Sorocaba, Viamão, Curitiba, Santos, São Paulo, Rio de Janeiro e
Paraty, entre 1991 e 2012. Inclui anexo “Cotia & Tropeirismo Na Odisséia
Nipo-Cotiana”, de 2006.] Incluído no Volume 8 da coleção DEBATES PARALELOS /
Viver História; Ed Edicon [Brasil] + Centro de Estudos do Humanismo Crítico
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– A MOBILIDADE SOCIOECONÔMICA QUE FAZ UMA
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Ferreira de – MANIFESTAÇÃO POPULAR E OS LIMITES MATERIAIS À CONVOCAÇÃO DO
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